sábado, 22 de novembro de 2014

Fazendo carros em casa.

A popularização das impressoras 3D, dispositivo capaz de produzir uma peça, engrenagens e até mesmo estruturas inteiras, deve ser vista como um ponto de singularidade na indústria de transformação. Claramente, a forma de ganhar dinheiro produzindo seja o que for vai mudar e é preciso prever o cenário futuro para entender essa readequação de papéis, e até mesmo de poder.

Hoje em dia, quando se quer um produto, como um telefone celular, ou mesmo carro, paga-se para o ator do processo capaz de projetar, desenvolver e entregar o carro. Na medida em que impressoras 3D são capazes de produzir as peças que formam esses produtos, a princípio, qualquer um que possua um dispositivo desses é capaz de produzir o seu próprio carro. Certo? Bem, mais ou menos.

A tendência é uma difusão das tecnologias de produção, a ponto de chegar a garagem da casas das pessoas. Fazendo uma analogia com as impressoras 2D domésticas, houve um tempo que um modelo matricial imprimindo em escalas de cinza custava cerca de U$ 2000, enquanto hoje modelos a laser colorida podem ser encontrados a U$ 150. Os rendimentos obtidos pela indústria de impressoras 3D crescem em escala exponencial, o que, entre outras coisas, implica numa redução do custo final, como pode ser observado nas previsões do gráfico abaixo.



Mesmo com parte dos meios de produção em mãos, o que faltaria para se construir seu próximo em carro em casa? O que mesmo que te impede de imprimir em casa uma obra-prima no nível de Machado de Assis ou Gabriel García Márquez: o arquivo. Quer dizer, para imprimir Dom Casmurro ou o Cem Anos de Solidão é fácil, é só em portais de domínio público onde estas obras estão a disposição. Agora se você quer construir um texto deste nível e imprimi-lo, dentro de alguns anos será o mesmo grau de dificuldade que se terá para construir seu próprio carro. 

Do ponto de vista do consumidor isso é muito bom, pelo menos num primeiro momento. O problema é do lado da produção. O que será da FIAT, Volkswagen, Ford e outras montadoras? Eles terão que rever seu modelo de negócio, se reinventar, assim como está fazendo a indústria editorial e fonográfica. 22 anos atrás, pra eu comprar o novo disco do Michael Jackson, Dangerous, tive que esperar 6 meses do seu lançamento nos EUA até que ele chegasse por aqui, e gastar o equivalente a uns U$ 10 para ter o LP, em uma loja que ficava a uns 15km da minha casa. Hoje, com este valor, eu tenho o acesso a toda discografia mundial via Spotify, na hora que eu quiser, dentro do meu bolso. 

O que fica claro é que a descentralização dos meios de produção dá a qualquer pessoa os meios necessários para criar e produzir o que for necessário para a sociedade e para si mesmo, e a chance de ganhar dinheiro com isso. De fato, o principal recurso para isso não é capital, por que máquinas você terá em casa, arquivos você terá na internet. O que você não vai achar por ai é competência, conhecimento e uma boa idéia. 

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Discurso do Paraninfo - 1a Turma de Engenharia de Automação/FURG - 2013


Boa noite,  a todos.

No dia do primeiro ato como Engenheiros de Automação o tema da aula de hoje será responsabilidade. Sim, aula. Lembro que preparamos vocês para que aprendam durante toda a vida.

Passei minha infância ouvindo meu avô falar que pra minha avó, tudo o que acontecia de ruim ou era culpa dele ou do sapateiro. Aquilo foi pra mim o prenúncio de um futuro imediato: vivemos um momento em que o segredo é saber a quem culpar. A responsabilidade sobre qualquer coisa nunca é nossa. Ela é do governo, do prefeito, do presidente, da reitora, do vizinho. Mas nunca nossa.
O conceito de cidadania no Brasil, se perdeu. Nesse momento, pouco me importa a origem da perda deste conceito de suprema importância para o verdadeiro desenvolvimento de uma sociedade sustentável sob o todos os pontos de vista.. Até porque corremos o risco de parar a seqüência de culpabilidade em Pedro Alvares Cabral. Mas o fato é que o conceito de cidadania se confunde, hoje,  com a idéia de propriedade. Hoje se entende que se EU pago impostos EU tenho direito a saúde, segurança e educação. E se isso não me é garantido, EU tenho o direito de depredar o ônibus, quebrar o orelhão ou dar um pau no vagabundo que tentou assaltar o velhinho no ponto de ônibus. O raciocínio é o seguinte: se o Estado errou eu também posso errar. Nessa hora, como diria Shakespeare "o caos concebe sua obra-prima".
O erro inicial é que em cidadania o NÓS tem preponderância sobre o EU. O nós dá-se na conversa, na discussão, na troca de ideias, na concessão. Não se trata de acerto quanto a interesses particulares, mas a definição de uma visão de bem comum. Não é por que o estado toma 27% do meu salário que isso me dá direito a por o MEU interesse na frente outras centenas, milhares e até milhões de pessoas. Isso não é exercer direito sobre nada. Isso é ser egoísta e mesquinho.
Responsabilidade é saber definir exatamente qual o teu papel dentro de uma determinada situação e arcar com as consequências positivas e negativas das tuas ações. A palavra chave, aqui, é consequência. Quando algo tiver errado, ou não estiver exatamente dentro de padrões que vocês julguem necessários a algum tipo de ação que queiram empreender, procurem entender qual a responsabilidade de vocês nisso. Antes de culpar o governo, o prefeito, o presidente, a reitora, o chefe, procurem dimensionar qual a responsabilidade de vocês naquela situação. Por que, em última instância, esse dimensionamento é que vai lhes permitir saber o que pode ser feito. Por que se não for isso, culpar alguém, ou sistema, é um simples exercício de retórica, que nada vai mudar aquela situação, e vai simplesmente servir pra alguém curtir vocês no Facebook. Por que sempre tem alguém pra curtir quando se dá um pau em alguém.
Caras, o que vocês devem estar se perguntando agora é por que este é o tema desta aula derradeira. Porque pra mim esta foi a principal virtude que vocês apresentaram enquanto turma. O que via de regra vocês ouviam com um “lá vem aqueles caras reclamar de algo de novo” era na verdade vocês assumindo um compromisso com a formação de vocês. Lembro que as pautas das reivindicações  eram sempre no sentido de alertar que algo estava faltando: mais conteúdo sobre circuitos, mais aulas de laboratório, o professor que estava faltando demais. Mas sem nunca se eximir das suas atribuições como aluno, colocando-se como agente ativo no processo de ensino-aprendizagem. Nunca assumiram a postura passiva de esperar que a universidade, o curso e os professores funcionassem como um programa de auditório, e que a vocês bastaria sentar na classe em sala de aula e esperar que o conhecimento fosse automaticamente transmitido a vocês. Entenderam as dificuldades de uma primeira turma de um curso de engenharia e foram atrás do que julgaram necessário e complementar a formação de vocês. Procuraram orientação, e nunca um bode expiatório para justificar um possível fracasso. Isto é um dos aspectos dessa responsabilidade a qual me referi.
Hoje vocês se formam com toda as honrarias desse ritual por que não se acomodaram atrás de um computador  reclamando da vida. Hoje vocês se formam por que entenderam a minha forma de trabalhar quando eu dizia “por que é tão difícil o que eu pedi, é por que eu sou trouxa. Eu to aqui pra dificultar a vida a de vocês e não facilitar”. Assim vocês aprenderam que a  evolução se dá na dificuldade. A evolução precisa de uma certa instabilidade no sistema pra acontecer. Não de graça, a atuação de um sistema de controle se dá em cima de uma variável de erro.
De maneira bem piegas eu diria que a Engenharia de Automação é uma metáfora da vida. Digo isso pra que vocês acreditem no meu argumento, por que eu, verdadeiramente acredito que a vida é uma metáfora da Engenharia de Automação. Por que tudo se resume a estabelecer referenciais e operar a partir de sinais de erro, que por sua vez governa ações no sentido desses referenciais. Por isso, acreditem, sinais de erro dentro de uma faixa de valores aceitáveis fazem com que um sistema evolua para um novo regime permanente. Seja ele um sistema massa-mola, um circuito RLC ou a vida.
Criem, inovem, errem, tentem. Gerem instabilidades nos sistemas. Comprometam-se. Por que comprometimento também é uma forma de se responsabilizar. Se responsabilizar por aquilo que acreditamos.
Pra finalizar deixo a seguinte mensagem.  sigam a procura dos caminhos da vida de vocês. Por que a felicidade não é o fim de um destes caminhos,  mas a jornada.
Abraço e tenho muito orgulho de apadrinhar vocês.